É comum que medidas “heróicas” adotadas diante de certos extremismos acabem ocasionando posições extremas e apenas após muito tempo se imponha um equilíbrio menos apaixonado e mais racional garantindo uma convivência mais harmônica entre tais extremos.
Assim ocorreu, por exemplo, nas relações de trabalho, passando-se de uma relação quase de escravagismo, para um controle total sobre quaisquer aspectos desta relação pela “Lei”, ou mesmo nas relações de consumo em que um dos lados é na atualidade legalmente um “vilão” até prova em contrário. Mais recentemente, quando a preocupação sobre a conservação ambiental se amplia, nota-se uma tendência muito grande na radicalização de idéias, criando-se por vezes conflitos artificiais entre produção e conservação (antes, preservação), nos confusos e incompletos regulamentos sobre a intervenção do homem no meio ambiente, com a criação de conceitos ainda pouco claros e universais tais como a tão propalada “sustentabilidade” que parece ter um sem número de definições. É crescente a ideia, em grupos muito bem organizados e influentes, apesar de nem sempre assim tão representativos, de que qualquer intervenção humana sobre o ambiente é deletéria e que sistemas de produção em escala são totalmente incompatíveis com a vida e sustentação da humanidade, e assim, toda ação deveria ser feita na direção de restaurar o ambiente a seu estado primitivo, com as chamadas espécies nativas, e preferencialmente, dali retirando o homem.
Nesta época de “acomodações de idéias”, creio ser de importância que se busquem pontos da mesma forma que os contrapontos, sem o que, sairemos do campo da discussão para o campo unicamente da fé, o que certamente pouco contribui para a evolução.
Acompanhamos a ocorrência da autorização do IBAMA para a “caça” de búfalos abandonados pelo governo no Vale do Guaporé muitos anos atrás e que, por sua melhor adaptação ao ambiente e falta de exploração econômica, passaram a se multiplicar e a competir com espécies nativas na busca de alimentos, em detrimento destas últimas. Tivemos a oferta de criadores do Pará de tentar a domesticação e transferência de parte destes animais para outras regiões onde poderiam ser base de sustentação de atividades economicamente relevantes. Confesso que não sei bem qual foi o desfecho (a não ser a criação de um grupo de estudo regiamente financiado pelo MMA). Uma coisa, porém é certa, o “estrago” na imagem da espécie que apareceu como uma “predadora” e inimiga do meio ambiente foi feito, e com grande publicidade. As contestações têm pouco apelo de mídia, e seu eco foi pouco difundido.
Outro, é o caso da atuação da ONG denominada SPVS que, financiada por empresas petrolífera, automobilística e de energia americanas, entre outras, tem literalmente “comprado” fazendas no litoral do Paraná, algumas com criação de búfalos, uma atividade que vinha sendo incentivada pelo governo daquele Estado que entendia ser aquela uma opção para o desenvolvimento econômico e social da região, e que, após a aquisição, tem sido desativadas e os animais sacrificados sumariamente (a despeito de que poderiam ser transferidos para outras regiões, haja visto haver demanda para tanto), e busca a ONG regenerar a mata a seu estado natural. Há alguns programas paralelos visando “readaptar” a população local para que viva de maneira “sustentável” (ao menos para a natureza original, não sei se para a população que sempre ali viveu em condições precárias) através de uma atividade dita extrativista florestal, mas sem depredá-la como antes se fazia com o palmito e a lenha. A contrapartida dos financiadores será logicamente os tais “créditos de carbono” gerados, o que lhes permitirá continuar poluindo o planeta e sendo indiretamente proprietários de florestas brasileiras com direito até mesmo a prêmios internacionais de beneméritos do meio ambiente.
Situações análogas têm sido vistas no Amapá, no Maranhão e no Amazonas, que, direta ou indiretamente vem arranhando a imagem da bubalinocultura enquanto atividade sustentável ambientalmente. Que a espécie é exótica no país, não se discute. Aliás, o maior mamífero “nativo” é a anta, o que significa que bovinos, muares, equinos etc. são todos exóticos. Da mesma forma o café, a soja, centenas de variedades de frutas e culturas também o são, o que absolutamente não significa que são incompatíveis com a natureza. Sua forma de exploração, esta sim, é que irá defini-la. Diante de um quadro como este, me parece bastante oportuno apresentar uma experiência realizada em Israel (disponível no site: http://www.migal.org.il/ lifeabs.html) sobre o projeto denominado PROJECT Nº: LIFE TCY/97/1L/O38 – Restoration and Conservation of Fauna and Flora in the Re-Flooded Hula Wetland in Northern Israel.
Naquele país havia uma várzea (Hula Valley) que foi drenada para uso em agricultura e erradicação da malária. Apesar de bastante fértil, seu uso intensivo acabou por promover uma deterioração do solo e comprometimento das águas do lago Kinneret, principal fonte de abastecimento de água de Israel, o que resultou, em 1994 na implementação de um projeto de recuperação da várzea a sua antiga condição. Dentre outras ações, foram re-introduzidos na área cervos, aves, espécies vegetais (algumas não nativas). Chama a atenção a observação de que, para controle de plantas invasoras, foram introduzidos búfalos na área (0,22 a 0,33 por hectare) que acabaram por induzir um vigoroso “stand” de pastagens, e estabilidade da vegetação, mostrando-se assim, na visão dos autores, bastante úteis na conservação ambiental daquelas várzeas.

Artigo originalmente publicado no Boletim do Búfalos nº 2 – 2005-ABCB

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