Nos anos 1980 engatinhava a produção de derivados de leite de búfalas no Estado de São Paulo, enquanto o mercado de leite bovino era totalmente controlado pelo Estado que “tabelava” os tipos de leite então existentes (A, B e C) e o famigerado leite em pó importado reconstituído que assegurava ao produtor uma pressão de baixa em seu produto.

Os três principais nascentes laticínios de São Paulo de então, Búfalo Dourado em Dourado, Valedoro em Registro e Paineiras em Sarapuí processando o pequeno volume de leite de búfalas então disponível, começara a se defrontar com um a impossibilidade de atender à crescente demanda dos derivados pela ausência de matéria prima que, em parte, começava a ser suprida por produtos elaborados com o depreciado leite bovino, aproveitando-se da ignorância do consumidor.

Os proprietários destes estabelecimentos, em uma reunião na sede da ABCB resolveram, então estimular a produção de matéria prima, pactuando que remunerariam o produtor pelo menos pelo dobro então pago pelo leite bovino tipo C, além de iniciar uma ofensiva tentando divulgar ao mercado as diferenças entre derivados elaborados com leite das duas espécies.

Como se sabe, os anos 90 constataram a eficiência daquela ação, com um aumento crescente na oferta de leite bubalino  e multiplicação de estabelecimentos processando este leite de tal sorte que o rebanho paulista passou de cerca de 50 mil animais ao final dos anos 90 para quase 100 mil em 2016, já o terceiro rebanho do país e, das poucas centenas de milhares de litros anuais disponibilizados estima-se em 2016 uma oferta de 22 milhões de litros de leite produzidos anualmente em terras paulistas.

A primeira década do novo século despertou nos mineiros, tradicionais produtores de leite bovino, o interesse na espécie e o rebanho bubalino naquele Estado praticamente triplicaram, passando de 22 para mais de 60 mil animais em 2016, estimando-se uma produção de mais 13 milhões de litros de leite de búfalas anualmente, infelizmente ainda sem um crescimento simétrico da indústria regional de transformação.

O forte desarranjo político e econômico por que vêm  atravessando o país, com um já longo período de estagnação em que mais de 14 milhões de pessoas se encontram desempregadas e outro tanto subempregadas, em que o PIB não avança, vem apresentando sua conta também ao setor, com redução nas vendas de derivados nos canais usualmente utilizados, com acirramento da concorrência, por vezes predadora; com a evidenciação de algumas ineficiências na produção primária, na indústria da transformação e, principalmente, no desequilíbrio das margens dentro da cadeia, com claro favorecimento dos canais de comercialização.

Recentemente temos visto alguns movimentos de significativos “players” do setor que, no sentido de buscar assegurar suas margens ou, por vezes sua sobrevivência em modelos operacionais em que sentem segurança  que, para tanto, começam a romper laços comerciais de longa data com produtores, seja aviltando preços, seja simplesmente abandonando bacias produtoras.

Por seu turno, vemos produtores e mesmo regiões produtoras absolutamente impotentes diante de notícias que dão conta que em alguns dias sua produção não terá destino algum ou que sofrerá significativa depreciação, sem nenhuma indicação de que se trate de solução temporária ou emergencial, pelo contrário, com expressiva indicação que se trata de uma tentativa de “enxugar” mercado para assegurar margens/sobrevida, como se depreende de algumas ações.

Tive noticia de produtores que disponibilizam o leite hoje pelo manipulado preço do leite bovino; de região com oferta de mais de 2 milhões de litros anuais que, de uma hora para outra foi informada que seu produto não seria mais recolhido tendo em vista a abundancia de matéria primas no mercado a valores baixos valores. Outra região onde se investiu em material genético,  uso de insumos e qualidade do produto constatou que o aumento de sua produção não terá colocação. Por outro lado, ouvi relatos de laticínios fortemente estocados, de praças em que fabricantes vem praticando concorrência predatória, de forte queda de demanda, etc.

Assim, se nos anos 80-90 os 3 laticínios buscavam matéria prima para atender o mercado, a aparência hoje, em que pese a produção do leite da espécie ser de apenas 0,15% da produção de leite bovino, o atual arranjo mercadológico existente, parece dar sinais de esgotamento diante da retração do consumo. Será?

Significativo componente do custo industrial no processamento de derivados de leite de búfalas, particularmente diante do relativamente pequeno porte dos estabelecimentos industriais no setor é representado por custos fixos tais como os relacionados à infraestrutura, ao pessoal e a logística, entre outros, elementos que nos estabelecimentos que optaram pela redução de volume, certamente terão seus custos ainda mais pressionados.

Já aqueles que optaram por uma realinhamento para baixo nos preços da matéria prima que hoje representam em média 25-35% do custo total do produto ou, 15-20% do preço final pago pelo consumidor certamente estarão forçando o produtor ou a ter mais eficiência (o que não se obtém de uma hora para outra) ou, o mais provável, que busque outras alternativas na exploração da propriedades.

Pois bem, após o desarranjo da cadeia, em havendo reaquecimento da demanda, como seria uma retomada? O relativamente longo ciclo de produção leiteira de búfalas envolve para sua expansão necessidade de construção ou readequação de infraestrutura apropriada além da produção de matrizes que num ciclo natural de pelo menos 5 anos nos dá conta que  neste cenário  mesmo que se restabeleça a confiança perdida entre produtor-indústria, que se realinhem preços ou estímulos à produção, será necessário um prazo expressivo para se recompor a capacidade operacional e que, se demanda houver e se imagine que a escassez relativa possa reverter em valorização do produto, talvez se deva ponderar que a capacidade do varejo em absorver para si sobrevalorizações é muito grande e que o produto (bolinha no soro, por exemplo), tem preço FOB de 8-9  euros (R$ 32-R$36) o que, em que pese os custos de logística, podem estimular importações ou mesmo introdução do produto misto (aliás, aposta de alguns fabricantes)

Obvio que cada um sabe onde lhe dói o calo e que tudo o que foi dito por aqui não passe de mera conjectura. A intenção, porém, era de que se ponderassem se a preservação da cadeia não seria um elemento importante a ser incluído nesta equação neste momento e se não seria relevante a criação neste momento de um canal de diálogo “franco” antes que as portas se fechem.

Reporto-me àqueles anos pioneiros onde a constatação mais óbvia era de que o preço de leite de búfalas mais caro era não ter leite para atender à demanda…. (09/08/2019 )

Um comentário sobre “Considerações sobre a cadeia do leite de búfalas (agosto/2019)”

  • Acho que a solução está em união para uma campanha publicitária nacional visando ampliar o mercado, em um primeiro momento e a ampliação do rol de produtos comercializados. Visando elastecer o mercado.

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